afirmando uma rede viva de trocas e cuidado em Crítica à lógica do marketing da machosfera

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Sobre os corpos que sustentam o mundo: A Mãe Invisível

Há um tipo de silêncio que recai sobre as mulheres que são mães.

Ele não é ausência de som, mas ausência de escuta.

É o silêncio de uma sociedade que se recusa a olhar para a base onde repousa (com peso) o conforto de tantos. Quando falamos de maternidade, não falamos apenas de um ato biológico. Falamos de uma estrutura social que impõe às mulheres - especialmente as mais vulneráveis - o peso quase exclusivo do cuidado. Uma estrutura que exige, culpa e abandona. É fácil julgar quem carrega o mundo, quando se vive em um andar acima dele.

Há quem diga, com leveza ou ironia, que “cada um faz suas escolhas”. Como se gestar uma criança num mundo desigual fosse resultado apenas do livre arbítrio - e não consequência direta de uma série de violências estruturais: falta de acesso, negligência do Estado, cultura do estupro, abandono, pobreza, racismo, e a ausência quase total de políticas públicas de cuidado.

O Brasil é o país com a maior taxa de maternidade precoce da América Latina. Em 2023, mais de 380 mil meninas e adolescentes tornaram-se mães. A maioria delas, negras e periféricas.

E mesmo assim, os olhares se voltam para essas mulheres como se sua condição fosse escolha pessoal - nunca consequência social.


A maternidade é um trabalho invisível que move a sociedade - e que, ao mesmo tempo, é desprezado por ela. Cuidar, sustentar, educar, alimentar, proteger, ensinar - tudo isso feito, muitas vezes, sem apoio, sem tempo, sem dinheiro, sem saúde mental. É um trabalho não remunerado, não valorizado e frequentemente tratado com descaso por quem se beneficia dele sem sequer reconhecê-lo.

Enquanto isso, quem não cuida de ninguém além de si mesmo sente-se à vontade para opinar sobre como outras mulheres deveriam viver - como se soubessem o que é atravessar os dias com urgências, choros, contas e medos acumulados.


Sobre o privilégio de ter filhos... É privilégio ter estrutura. Ter rede, ter tempo, ter saúde, ter descanso, ter voz. E é justamente esse privilégio que torna certos olhares tão alheios à realidade de tantas.

Há uma alienação confortável em quem nunca precisou transformar migalhas em sustento, nem ouvir que falhou por não ter sido perfeita diante do impossível.


As mulheres que sustentam o mundo com o cuidado, não o fazem por heroísmo. Fazem porque foram empurradas a isso, porque a estrutura foi desenhada para que suas vidas servissem de suporte silencioso a outras. Elas não são vistas como heroínas. São tratadas como peso, como incômodo, como falha. São invisibilizadas justamente porque seu trabalho é essencial. E, se fosse reconhecido, toda a lógica da sociedade teria que ser revista.


Essa recusa em ver não é ingênua. Ela é estratégica. Porque se aceitarmos a verdade, de que o mundo só funciona porque mulheres sobrecarregadas garantem o cuidado de todos, teríamos que repensar tudo: o tempo, o dinheiro, o poder, o afeto, a solidariedade. Teria que haver redistribuição. Teria que haver responsabilização. Teria que haver justiça. E há quem prefira seguir fingindo que não vê — mesmo quando tudo ao redor já grita.

Mas há vozes que não se calam mais. E há uma urgência que se impõe.

Se o mundo insiste em se organizar a partir da negação dessas mulheres, então talvez seja hora de reorganizar o mundo - não para pedir reconhecimento, mas para exigir transformação.